``As perspectivas são muito estimulantes: hoje tem-se a certeza de que
estas antipartículas podem se juntar para formar antiátomos. E é até
possível que existam no Universo antiestrelas, antiplanetas - e
anti-homens, como explicou o próprio Dirac, no discurso ao receber o
prêmio Nobel, em 1933.´´
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Em busca da antimatéria A antimatéria está sendo estudada em avançados
centros de pesquisas e poderá esclarecer alguns grandes mistérios
científicos, entre eles, a origem do universo. Em um depósito, em Genebra, na Suíça, está guardada uma
pequena e terrível massa, cuja força explosiva é 100 vezes maior que a
do urânio com o qual se preparam as bombas atômicas. Ela é utilizada em
experiências mediante as quais se tenta esclarecer alguns grandes
mistérios científicos, como, por exemplo, a origem do Universo. É
chamada antimatéria e, pelo menos por enquanto, não oferece perigo, por
ser usada em quantidades insignificantes. É certo, todavia, que grandes
quantidades de antimatéria representarão para a humanidade uma fonte de
energia ainda impossível de calcular.
Mas o que é antimatéria? A idéia de que pudesse existir algo
assim surgiu no final dos anos 20 e seu pai foi o físico inglês Paul
Dirac (1902-1984). Já havia sido divulgada há algum tempo a Teoria da
Relatividade, pela qual Albert Einstein ensinou que matéria e energia
são intercambiáveis, ou seja, podem se transformar uma na outra. Dirac
começou investigando as partículas do átomo, entre elas os elétrons, à
luz da Teoria da Relatividade e da Mecânica Quântica (SUPERINTERESSANTE
nº 2 e 3). Seu objetivo, sem dúvida ambicioso, era descobrir em um
denominador comum a ambas. Nesse trabalho conseguiu desenvolver fórmulas
e equações matemáticas que, efetivamente, são úteis tanto no campo da
Relatividade quanto no da Mecânica Quântica.
Dirac verificou que uma dessas equações não descrevia apenas o
comportamento dos elétrons, como ele esperava, mas também oferecia
soluções que não se acomodavam às regras da Física comum. Afinal Dirac
descobriu o nó da questão - as partículas com as quais estava
trabalhando não eram elétrons normais: sua massa era exatamente a de um
elétron comum, mas sua carga elétrica era positiva, em vez de negativa.
Parecia, em suma, uma imagem refletida no espelho, um elétron ao
contrário. Um antielétron.
As experiências de Dirac eram puramente teóricas. Algum tempo
depois o físico norte-americano Carl Anderson, quando fazia experiências
com radiação cósmica, conseguiu demonstrar que os antielétrons existiam
de fato. Tais partículas receberam, então, o nome de pósitrons - e
Anderson, por isso, ganhou um prêmio Nobel em 1936. O passo seguinte foi
descobrir que todas as partículas têm sua correspondente antipartícula.
Ou seja, existem os antiprótons, antinêutrons etc. São eles
que formam a antimatéria. Atualmente já é possível produzir
antipartículas em laboratório, em condições controladas. O Centro
Europeu de Investigação Nuclear (CERN), em Genebra, produz antiprótons,
conservados em campos magnéticos para dedicadas experiências.
As perspectivas são muito estimulantes: hoje tem-se a certeza
de que estas antipartículas podem se juntar para formar antiátomos. E é
até possível que existam no Universo antiestrelas, antiplanetas - e
anti-homens, como explicou o próprio Dirac, no discurso ao receber o
prêmio Nobel, em 1933. Para ele, é mera casualidade o fato de que até a
Terra tenha sido formada de matéria e não antimatéria, "e é
absolutamente possível que ocorra exatamente o contrário com outros
corpos celestes". Para fazer uma afirmação tão atrevida Dirac se baseou
na profunda simetria da natureza.
Para que se forme um pósitron é preciso concentrar certa
quantidade de energia em um único ponto. Se houver condições adequadas,
aparecerá não uma partícula mas um par delas, ambas formadas diretamente
da energia; uma será sempre um pósitron, outra um elétron. Ou seja,
partículas e antipartículas se formam sempre aos pares. Uma equilibra a
outra. O processo inverso também é verdadeiro: se um elétron colide com
pósitron, ambos se aniquilam mutuamente, e suas massas combinadas se
liberam como energia, em forma de raios gama.
Se da energia pode-se produzir matéria, cria-se a grande
esperança de que, enfim, será possível esclarecer a origem do Universo.
No passado os astrônomos acreditavam que o Universo se formara a partir
de uma reserva básica de massa, existente desde o princípio. Agora
tem-se explicação mais satisfatória: supomos que a massa se formou,
pouco a pouco, por meio de processos físicos. Não é necessário muita
fantasia para imaginar que, logo após o Big Bang, a grande explosão que
deu origem ao Universo, havia energia mais do que suficiente para
produzir toda a massa hoje conhecida.
Uma conclusão se impõe: se é certo que, quando se cria matéria
a partir da energia, sempre se cria uma quantidade igual de
antimatéria, então o universo deve ser composto de ambas em quantidades
iguais. Foi o que levou Dirac a fazer sua especulação sobre a existência
de antiestrelas. A simetria entre matéria e antimatéria sugere que uma
antiestrela ou uma antigaláxia teriam exatamente o mesmo aspecto que uma
estrela ou uma galáxia comum. Ou seja, é perfeitamente possível que a
nebulosa de Andrômeda, por exemplo, seja constituída de matéria ou
antimatéria.
Em todo caso, a realidade mostra que as coisas não são assim
tão simples. A partir dos anos 60, os cientistas começaram a entender
melhor os acontecimentos relacionados com o Big Bang - e logo se deram
conta de uma grande contradição. A fase inicial do Universo se
caracterizou por um calor colossal e uma surpreendente uniformidade. O
calor tornou possível o aparecimento de pares de partículas e
antipartículas, que se juntaram formando uma espécie de sopa homogênea.
Enquanto o Universo se dilatava e esfriava a grande velocidade, só havia
um destino possível para esses pares de partículas e antipartículas: a
mútua a destruição. Os pósitrons colidiram com os elétrons, os prótons
com os antiprótons e os nêutrons com os antinêutrons. Sempre, o
resultado foi uma explosão destruidora. Nessas circunstâncias, não
poderia ter sobrevivido muita matéria, nem o Universo estaria cheio de
átomos, mas de raios gama.
No entanto, não é assim: a matéria existe e os átomos estão em
toda parte. Os pesquisadores trataram, então, de descobrir o mecanismo
da natureza responsável pela separação de matéria e antimatéria,
evitando aquela orgia de destruição. Nada conseguiram, mas os primeiros
radio telescópios instalados a bordo de satélites artificiais permitiram
descobrir que no Universo não há tantos raios gama como se imaginava.
Foram feitos, então, cálculos teóricos para saber quanta antimatéria
poderia haver na Via Láctea que ainda não tivesse sido descoberta. Os
pesquisadores partiram do fato de que também no vasto Universo objetos
colidem ocasionalmente e que não existe espaço vazio, mas enormes
quantidades de partículas de gás e pó. Sendo assim, ainda que só uma
parte de nossa galáxia fosse constituída de antimatéria, haveria um
constante cintilar de raios gama. Os resultados obtidos até agora não
indicam que a Via Láctea possa ter mais do que uma milionésima parte de
sua massa constituída de antimatéria.
Algo parecido ocorre nas demais galáxias: quando se chocam umas com
as outras, verifica-se que são formadas de matéria e não de antimatéria.
Se realmente existe, a simetria entre elas deverá aparecer num campo
espacial maior do que o Universo conhecido. Neste, a antimatéria é uma
raridade. Fica a pergunta: será que em algum lugar existe a antimatéria
em grande quantidade? Por meio de sondas enviadas às camadas mais altas
da atmosfera se descobriu que a Terra está exposta a um contínuo
bombardeio de antiprótons, que chegam do Universo e formam parte da
radiação cósmica geral. Mas eles não são indício de que existam
antiestrelas, por exemplo. Como acontece nas refinadas instalações do
acelerador de partículas do CERN, os antiprótons podem se formar, no
Universo, a partir de partículas comuns, desde que ocorram entre elas
choques muito violentos. Como os raios cósmicos são ricos em energia,
devem produzi-los com facilidade quando atravessam o gás interestelar.
Para determinar a quantidade de antimatéria que há no Universo
precisamos buscar núcleos de anti-hélio. Depois do hidrogênio, o hélio é
a substância mais comum do espaço cósmico. Um único núcleo de anti
hélio seria indício importante da existência de antiestrelas; formado
por dois antiprótons e dois antinêutrons, trata-se de uma estrutura que
não se constitui ao acaso.
Na busca de melhores resultados, os pesquisadores norte-americanos
pretendem colocar em órbita, na próxima década, o Astromagi. Esse
instrumento, a bordo de uma estação espacial, será equipado com ímãs
supercondutores muito potentes e, por isso, capazes de desviar a
trajetória das partículas super-rápidas. Assim, uma barreira de
detectores será capaz de distinguir se determinado núcleo é formado de
hélio ou anti-hélio: se os ímãs desviarem as partículas de hélio para a
esquerda, desviarão as de anti-hélio para a direita.
Se a proposta for positiva e pudermos então dar como certa a
existência de antiestrelas, também será certa a existência de
antiplanetas, anticometas e anti tudo o mais. Podemos perguntar, a
partir daí: o que aconteceria se um corpo com mais substância que um
núcleo de anti-hélio penetra-se no Universo conhecido a altíssima
velocidade? É provável que ao colidir com os corpúsculos de matéria
produziria raios de energia e novos corpusculos, estes de antimatéria.
Alguns deles poderiam chegar à Terra. O choque da antimatéria com o
planeta produziria uma explosão equivalente à de uma bomba atômica.
Teria sido isso que aconteceu no começo do século na região siberiana de
Tunguska, de cuja destruição tanto se falou, sem que se pudesse
descobrir o que realmente ocorreu? Teria sido esta a causa do
desaparecimento dos dinossauros ou dos periódicos cataclismos que
castigam a Terra?
Pesquisas recentes demonstraram que partículas microscópicas,
procedentes do espaço, estão constantemente entrando na atmosfera
terrestre. As que são suficientemente pequenas conseguem escapar da
destruição, porque as forças de atração produzidas entre os átomos
normais acabam formando uma barreira de proteção em torno da
antimatéria. Supõe-se que essas antipartículas estejam carregadas
eletricamente por ionização e assim fiquem expostas aos campos elétricos
da atmosfera terrestre (por exemplo, os que se formam durante as
tempestades).
Seriam as tormentas que acenderiam o pavio da explosão responsável
pela destruição das antipartículas. A energia assim liberada tem o
aspecto de uma bola vermelha e incandescente, que dura pouquíssimos
segundos. Há muitas descrições dessas bolas que aparecem no meio de uma
tempestade e desaparecem repentinamente, com um forte estampido. O
fenômeno chama-se raio globular e é um mistério para os cientistas:
ninguém até agora conseguiu reproduzi-lo em laboratório. É possível que
no futuro se consiga relacioná-lo com a antimatéria.
Enfim, é muito pouco, quase nada, o que sabemos sobre a antimatéria -
embora já possamos fabricá-la. Seguramente será mais prático produzir a
antimatéria no espaço, pois ali existe o vazio necessário, e a
gravidade não provoca problemas. A antimatéria é útil quando se precisa
armazenar grandes quantidades de energia, com peso e volume ínfimos.
Poderia ser utilizada para impulsionar veículos interplanetários, por
exemplo. E poderia, sem dúvida, ser utilizada para a guerra. O Instituto
de Investigação da Rand Corporation, nos Estados Unidos, já concluiu um
estudo onde registra a possível aplicação da antimatéria em foguetes,
armas lançadoras de raios e na alimentação de lasers de raios X. O
estudo afirma que a tecnologia para isso poderia ser desenvolvida em
cinco anos. Outros estudos patrocinados pela Força Aérea dos Estados
Unidos, estão em curso, sob protestos da comunidade científica
internacional.
Mas a investigação em torno da antimatéria, nos laboratórios civis,
também avança rapidamente. Logo entrará em funcionamento, no CERN de
Genebra, um novo sistema de conservação dos antiprótons que permitirá
estudá-los com muito mais precisão. Até agora produziam-se antiprótons
mediante choques de alta energia, o que os levava a se deslocar quase à
velocidade da luz (300.000 quilômetros por segundo). Agora eles são
submetidos a um aparelho chamado LEAR (sigla em inglês de Light Energy
Antiproton Ring ou Anel de Antiprótons de Baixa Energia), que reduz
consideravelmente essa velocidade. Domesticados, o antiprótons caem na
chamada Armadilha de Penning, onde são continuamente atirados para a
frente e para trás, por meio de campos magnéticos que evitam que eles se
choquem com paredes.
É ali que se pode fazer experiências com eles. Por exemplo, comparar
sua massa com a dos prótons, verificar se e como são afetados pela
gravidade. Enfim, verificar se realmente matéria e antimatéria são
simétricas, como sempre se acreditou. Já se passaram mais de 50 anos
desde que o físico Paul Dirac apresentou ao mundo científico suas
equações, mas as investigações sobre a antimatéria estão apenas
começando.
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